Como não sei o que pôr em palavras tanto que quero dizer ao mesmo tempo aqui vai uma cópia á moda antiga...rebusco as palavras acerca do palhaço, que deu um tiro nos cornos, graças a deus, palavras, não-me traia a memória outra vez : aqueles que só sonham dão com os costados na terra bem cedo. Quando percebem a necessidade da razão, a inépcia cultivada ao longo de anos trata-lhes da saúde e acabam como o pobre do clown.
“ Tanto os frangos como as galinhas resistiram dois dias sem grandes demonstrações de desespero, mas ao terceiro começaram a picar-se uns aos outros, as galinhas deixaram de pôr e o cacarejo da fome partia-nos a alma… Oh, se foi um triste regresso ao aviário. E o que veio depois foi ainda pior, porque o exercício lhes tinha aumentado a fome e os malditos frangos começaram a praticar o canibalismo.
Ao décimo dia estavam vivos metade dos frangos, as galinhas não punham ovos mas resistiam, e embora agora me pareça incrível, uma, só uma galinha pôs todos os dias o seu ovo da praxe. Eu apontava no relatório de produção: ovos-um.
- Era um galinha com consciência de classe – assegurou Arancibia.
- Uma heroína do trabalho socialista. Ao décimo primeiro dia, hesitando entre o suicídio ou o assassinato em massa, decidimos pelo segundo, ser criativo era a palavra de ordem, de modo que reuni os os homens mais fortes do aviário, armámo-nos com umas espingardas de caça e saímos em dois camiões rumo à fábrica de rações.
- … as coisas não me parecem tão claras. Esses tipos que tinham ocupado a fábrica de rações também eram camaradase não se resolvem a tiro as contradições no seio do povo.
- Precisas do sopapo? Evidentemente que eram camaradas, também o eram aqueles que ocuparam umas vinhas e decidiram beber toda a produção alegando que estavam há anos a chupar as sobras.
- … Alguns de nós tinham sede de justiça, sede de igualdade social, por que razão não teriam aqueles tipos sede de bom vinho? Os pequeno-burgueses têm uma inapetência natural. É melhor continuares com os frangos.
…
- As classes podem conseguir acordos temporários tácitos que não danifiquem a estratégia da vanguarda condutora. Di-lo Lénine em O que fazer?- esclareceu Arancibia.
- Lenine não percebia nada de frangos e a camarada Nadezda Krupskaia não era capaz de fritar um ovo. Di-lo o careca em Los Porfiados Hechos – testemunhou Salinas.
-… e a Camarada Kollontai denunciou a perversidade dos mitos sociais transformados em escolhos para a liberdade do amor. Quero saber o que aconteceu ao raio dos frangos.
- … Carregámos os camiões a toda a pressa, regressámos ao aviário, enchemos os comedouros generosamente e fui dormir. Não dormi muito porque, poucas horas depois, alguns camaradas foram acordar-me dizendo que as galinhas e os frangos faziam um bacanal nas capoeiras. Pondo as coisas nessa linguagem que tanto te agrada, os bichos estavam entregues ao mais burguês dos liberalismos e por nossa culpa. Com a pressa, em vez de carregarmos os camiões com ração, fizemo-lo com sacas de um complexo vitamínico que devia ser administrado na proporção de um punhado por cada duas sacas de alimento.
- Nada disso importa se temos o calor das grandes verdades proletárias…
- Uma merda. Nunca foi tão caro produzir um ovo ou ver crescer um frango. Odeio-os com toda a minha alma.
-Peito ou perna?”
Luís Sepúlveda , A sombra do que fomos
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